Lei do Sorteio

À frente de bolinhas com suas informações, jovens ansiosamente aguardam o resultado do sorteio militar em 1918

A Lei do Sorteio (n.º 1860, de 4 de janeiro de 1908) introduziu o serviço militar obrigatório para as Forças Armadas do Brasil, implantado de fato em 1916, substituindo o recrutamento forçado, o antigo “tributo de sangue”, e permitindo a constituição de uma reserva. O sorteio foi mecanismo de recrutamento de praças de 1916 a 1945, quando foi substituído pela convocação geral por classe, que é o modelo de serviço militar obrigatório existente no Brasil no século XXI. Outra lei de 1874 já havia determinado o sorteio, mas não foi aplicada pela resistência encontrada. Também polêmica, a lei de 1908 foi uma das principais reformas militares da Primeira República e teve efeitos duradouros na relação do Exército com a política e a sociedade brasileiras. Os argumentos de seus defensores permanecem como as justificativas oficiais para o serviço militar obrigatório mais de um século depois.

A reforma do recrutamento era causa de oficiais e políticos desde o século XIX. O sistema antigo era violento, ineficiente e fora do controle do Exército. Por ser característico de um poder central fraco, era abusado pelo coronelismo. Como o serviço militar era visto como degradante, o voluntariado não bastava para preencher as fileiras e a polícia prendia a “escória da sociedade” para servir. Os reformistas viam o sorteio militar como a forma mais moderna e racional de recrutamento. Sua referência era a Europa, onde desde a Guerra Franco-Prussiana (1870–1871) os Estados tinham corpos permanentes de oficiais (e alguns praças) e variáveis de praças; os jovens serviam por curtos períodos como soldados e seguiam a uma crescente reserva, que poderia ser rapidamente mobilizada durante uma guerra. Como em tese todas as classes deveriam participar, os exércitos seriam a “nação em armas” e a “escola da nacionalidade”, conferindo unidade nacional.

Uma proposta de 1906, elaborada pelo deputado Alcindo Guanabara, foi enfim aprovada em 1908, com apoio entre os oficiais, a classe média urbana e a gestão do marechal Hermes da Fonseca no Ministério da Guerra. Para os militares que discutiam a reforma do Exército e seu fraco desempenho nas campanhas, havia motivos nítidos — preencher os claros no efetivo, formar reservas e não ficar para trás de países como Argentina e Chile, que já haviam implantado o serviço militar obrigatório a partir de 1900. Intelectuais como Olavo Bilac eram mais ambiciosos, vendo nele o nivelamento social e a disciplina e educação das massas, uma “missão civilizadora” a ser conduzida pelos oficiais. A lei foi controversa, sendo oposta por vários ângulos ideológicos e tanto nas grandes cidades quanto no interior. O movimento operário, em especial, fez oposição antimilitarista. A oposição popular, os cortes orçamentários e a perda de interesse da elite civil fizeram com que o sorteio não fosse aplicado de imediato.

Somente a repercussão da Primeira Guerra Mundial e uma campanha de relações públicas, com palestras de Olavo Bilac, deu novo fôlego à lei, e o primeiro sorteio foi realizado em dezembro de 1916. Sua implementação estava associada à criação dos Tiros de Guerra, que eram alternativa ao serviço convencional, à reorganização da ordem de batalha, construção de quartéis, suavização da disciplina, extinção da Guarda Nacional e outras transformações. Nas décadas seguintes, o sorteio sofreu com limitações administrativas e a insubmissão — milhares eram sorteados anualmente, mas por anos seguidos a maioria dos convocados não comparecia. A insubmissão só foi resolvida com medidas punitivas, exigindo o certificado de alistamento. Contrariamente às expectativas dos defensores da lei, não houve nivelamento social, e as baixas patentes militares continuaram ocupadas pela classe baixa. Ainda assim, o sorteio teve sucesso em captar recrutas, sua seleção tornou-se mais criteriosa e lentamente a reputação dos soldados melhorou. O efetivo do Exército cresceu de 18 mil em 1915 a 93 mil em 1940, gradativamente fortalecendo o poder central contra as oligarquias locais. O Exército alcançou toda a sociedade e teve maior capacidade de difundir sua visão de mundo. A Marinha e a Força Aérea Brasileira (criada em 1941) aproveitaram-se menos dessa instituição.


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